Uma cidade e seus crimes: a busca pela reconstrução dos sentidos

Resumo

Buscar a compreensão da cidade é uma tarefa que se realiza a partir de alguns símbolos. A cidade simbólica não se revela ao simples olhar do observador; antes, é preciso escolher suas portas e, a partir delas, percorrer o caminho urbano, munido de uma chave que possa auxiliar na abertura dos sentidos. A linguagem é aqui escolhida como percurso possível para que a cidade se revele. No entanto, ela teima em se ocultar se não for cuidadosamente ouvida. A cidade pode ser ouvida em seus edifícios públicos, na formação de suas ruas, na localização de suas praças, na fala de seus habitantes. A fala, no entanto, é fluida. Buscar ouvir a fala é uma atividade possível. Buscou-se, portanto, os seus registros. Considerando que a cidade - para além de se conformar como topos privilegiado da realização do ideal humano de civilização - é um lugar de querelas, as falas foram buscadas naqueles documentos preservados que revelam os desentendimentos: processos criminais. Essa é a porta. As acusações, as defesas, as denúncias: tudo isso revela um lado importante da cidade – o lado obscuro que se quer esconder. No presente artigo, propomo-nos a fazer, pela via do discurso autorizado pela Justiça, uma compreensão da cidade que tem como ponto de partida os suburbanos, aqui tidos como aqueles que se postaram alheios a uma economia (oikonomos) urbana, ou seja, àquilo que faria da cidade a imagem do homem em seu pretenso progresso.