O legado da Comissão Nacional da Verdade

as disputas pelo significado jurídico, histórico e político de seus trabalhos

Autores

  • Andrea Schettini PUC-Rio

Palavras-chave:

Comissão Nacional da Verdade, Memória, Ditadura militar, Justiça de transição

Resumo

Passados dez anos da instalação da Comissão Nacional da Verdade brasileira e quase oito anos da publicação de seu Relatório Final, o presente artigo busca refletir criticamente sobre o seu legado. Para tanto, procura investigar dois obstáculos centrais, atualmente enfrentados para a construção de um legado sólido da CNV, que seja capaz de sedimentar e estabilizar uma memória negativa da violência de Estado perpetrada no período ditatorial. O primeiro obstáculo refere-se a algumas das lacunas do relatório final da CNV, que acabaram por influenciar no alcance social limitado de seus trabalhos. O segundo obstáculo refere-se às recentes tentativas de deslegitimação da CNV, através de discursos oficiais negacionistas sobre a ditadura militar, que ganharam força sobretudo com a eleição  de Jair Bolsonaro. Sem refutar os avanços da CNV, sustenta-se que o legado de uma comissão da verdade – no que tange à construção de memórias e à produção de suportes para as lutas sociais – depende necessariamente da construção de um forte elo com a crítica da violência no presente e com as lutas por memória, verdade, justiça e reparação na democracia.

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Publicado

2023-12-19

Como Citar

Schettini, A. (2023). O legado da Comissão Nacional da Verdade: as disputas pelo significado jurídico, histórico e político de seus trabalhos. Revista Histórias Públicas, 1(2), 169–195. Recuperado de https://revista.uemg.br/index.php/historiaspublicas/article/view/6927

Edição

Seção

Dossiê Ditadura e Autoritarismo: necropolítica, negacionismo, arquivos e usos do passado - Parte II