Despir cadáveres – uma perspectiva arqueológica sobre a violência estatal

Autores

  • Márcia Lika Hattori Instituto de Ciências do Patrimônio (INCIPIT/CSIC)

Palavras-chave:

Ditadura Militar Brasileira, Cidadania, Vestuário, Corpos Reprimidos, Violência de Estado

Resumo

Este artigo explora o desaparecimento de corpos dentro da burocracia da morte na cidade de São Paulo, Brasil, focando na cumplicidade entre o aparato de repressão durante o período militar e as normas da administração pública, que visavam dar uma aparência de “legalidade” aos casos de desaparecimento forçado dentro das instituições estatais do país. Ao longo do trabalho se evidencia como a burocracia da morte despe os corpos e os despersonaliza, na qual a falta de cuidado com o registro dos detalhes tornase estratégia para negar identidade ao cadáver de uma pessoa classificada como uma vida que importa menos. Fazendo uso de relatórios de autópsias de corpos de pessoas não identificadas em São Paulo na década de 1970 como categoria analítica, demonstro que uma perspectiva arqueológica pode mostrar como um “estado de exceção” opera sobre tais indivíduos. Em particular, mostro como a presença ou a ausência de detalhes sobre o vestuário é um fator significativo na despersonalização dessas pessoas.

Referências

AGAMBEN, G. Homo Sacer: Sovereign Power and Bare Life. Trans. D. Heller-Roazen. Palo Alto, CA: Stanford University Press, 1998.

ALESP (Assembleia Legislativa de São Paulo). Dispõe Sôbre o Serviço de Verificação de Óbitos Do Município de São Paulo e Dá Outras Providências. Online: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/1968/lei-10095-03.05.1968.html, 1968.

ALESP (Assembleia Legislativa de São Paulo). Relatório Final da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva. Online: http://comissaodaverdade.al.sp.gov.br/mortos-desaparecidos, 2015.

ALVES, Jaime Amparo. Topografias da Violência: Necropoder e Governamentalidade Espacial em São Paulo. Revista do Departamento de Geografia – USP, 22: 108–134, 2011.

ARENDT, H. Eichmann in Jerusalem: A Report on the Banality of Evil. New York: Viking Press, 1963.

ARIÈS, P. Western Attitudes Toward Death from the Middle Ages to the Present. Trans. P. M. Ranum. Baltimore, MD: Johns Hopkins University Press, 1974.

ARIÈS, P.; JANET, Lloyd. Images of Man and Death. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1985.

ASSUMPÇÃO, R.; FRINHANI, F.; AMADEO, J.; GOMES, A. L.; SILVA, D.; e SILVA, V. A Violência de Estado e a Busca Pelo Acesso à Justiça. Uma Análise a Partir Das Narrativas Dos Familiares Das Vítimas Dos Crimes de Maio de 2006 Ocorridos Na Baixada Santista, São Paulo. In SUR: International Journal on Human Rights, 15 (27): 135–152, 2018. Online: https://sur.conectas.org/a-violencia-de-estado-e-a-busca-peloacesso-a-justica/.

AUGÉ, M. Non-Places: Introduction to an Anthropology of Supermodernity. Trans. J. Howe. London: Verso, 1995.

BARAYBAR, J. P.; BLACKWELL, R. Where Are They? Missing, Forensics, and Memory. Annals of Anthropological Practice 38 (1): 22–42, 2014.

BARETTA, J. R. Uma Arqueologia Do Inferno. Misoginia e Feminização Através Do Aparato Material Da Ditadura Em Porto Alegre/RS (1964/1985). Doutorado Universidade Federal de Pelotas, Brasil, 2020.

BAUMAN, Z. Wasted Lives: Modernity and Its Outcasts. Oxford: Polity, 2004.

BEY, H. T.A.Z.: The Temporary Autonomous Zone. New York: Autonomedia, 1991.

BICUDO, H. P. Meu Depoimento Sobre o Esquadrão Da Morte. São Paulo: Pontifícia Comissão de Justiça e Paz de São Paulo, 1976.

BOURDIEU, P. Distinction: A Social Critique of the Judgement of Taste. Trans. R. Nice. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1984.

BOURDIEU, P. 1997. Les usages sociaux de la science. Pour une sociologie clinique du champ scientifique. Paris: Institut National de la Recherce Agrnomique.

BRANDAO JR, A. O.; SOUZA JR, C. M. Mapping Unofficial Roads with Landsat Images: A New Tool to Improve the Monitoring of the Brazilian Amazon Rainforest. International Journal of Remote Sensing, 27 (1): 177–189, 2006.

BROWNING, C. R. Ordinary Men: Reserve Police Battalion 101 and the Final Solution in Poland. New York: Harper Collins, 1992.

BRUM, E. O Fim de Uma Longa Noite. Revista Época, 20 August 2004. Online: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG66064-6014,00- O+FIM+DE+UMA+LONGA+NOITE.html.

BUCHILI, V. e LUCAS, G. Archaeologies of the Contemporary Past. London: Routledge, 2001.

BUTLER, J. Frames of War: When Is Life Grievable? New York: Verso, 2009.

CARNEIRO FILHO, A.; BRAGA DE SOUZA, O. Atlas of Pressures and Threats to Indigenous Lands in the Brazilian Amazon. São Paulo: Instituto Socioambiental, no.1, 2009.

CONGRAM, D. Missing Persons: Multidisciplinary Perspectives on the Disappeared. Toronto: Canadian Scholars’ Press, 2016.

CROSSLAND, Z. Evidential Regimes of Forensic Archaeology. Annual Review of Anthropology, 42: 121–137, 2013. Online: https://doi.org/10.1146/annurev-anthro-092412-155513.

DA MATTA, R. A Mão Visível Do Estado: Notas Sobre o Significado Cultural Dos Documentos Na Sociedade Brasileira. Anuário Antropológico. 25 (1): 37–64, 2002.

DIAS, J. C.; CAVALCANTI FILHO, J. P.; KEHL, M. R. ; PINHEIRO, P. S.; ABREU DALLARI, P. B.; CARDOSO DA CUNHA, R. M. Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade Volume III: Mortos e Desaparecidos Políticos. Brasília: Comissão Nacional da Verdade. Online: http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/images/pdf/relatorio/volume_3_digital.pdf, 2014.

DORETTI, M.; FONDEBRIDER, L. Science and Human Rights: Truth, Justice, Reparation and Reconciliation, a Long Way in Third World Countries. In Archaeologies of the Contemporary Past, edited by V. Buchli and G. Lucas, 138–144. London: Routledge, 2001.

DUARTE-PLON, L. A Tortura Como Arma de Guerra: Da Argélia Ao Brasil: Como Os Militares Franceses Exportaram Os Esquadrões Da Morte e o Terrorismo de Estado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.

ESTÉVEZ, A. The Technocratic Turn of the Mexican Human Rights Movement: From Administration of Justice to Management of Suffering. In Understanding Southern Social Movements, edited by S. Fadaee, 94–110. London: Routledge, 2016.

FAHMY, K. Dissecting the Egyptian State. International Journal of Middle East Studies 37 (3): 559–562. https://doi.org/10.1017/S0020743815000550, 2015.

FERREIRA, L. C. de M. Uma Etnografia Para Muitas Ausências: O Desaparecimento de Pessoas Como Ocorrência Policial e Problema Social. Doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011.

FOUCAULT, M. Discipline and Punish: The Birth of the Prison. Trans. A. Sheridan. New York: Pantheon Books, 1977.

GATTI, G. Desapariciones: Usos locales, circulaciones globales. Bogotá: Siglo del Hombre Editores, 2017.

GINZBURG, C. Morelli, Freud and Sherlock Holmes: Clues and Scientific Method. Trans. A. Davin. History Workshop Journal 9 (1): 5–36, 1980.

GOLDHAGEN, D. J. Worse than War: Genocide, Eliminationism, and the Ongoing Assault on Humanity. New York: PublicAffairs, 2009.

GONZÁLEZ-RUIBAL, A. Time to Destroy: An Archaeology of Supermodernity. Current Anthropology 49 (2): 247–279, 2008.

GONZÁLEZ-RUIBAL, A. Arqueología de La Desaparición. Papeles Del CEIC, International Journal on Collective Identity Research 2020 (1): Article 225. http://dx.doi.org/10.1387/pceic.20764, 2020.

GRESPAN, J. Hannah Arendt e a Banalidade Do Mal. In O Pensamento Alemão No Século XX, Volume 1, edited by W. Bader and A. de Jorge, 85–110. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

GUPTA, A. Red Tape: Bureaucracy, Structural Violence, and Poverty in India. Durham, NC: Duke University Press, 2012.

HAN, B.-C. The Burnout Society. Trans. E. Butler. Palo Alto, CA: Stanford University Press, 2015.

HARRISON, R.; BREITHOFF, E. Archaeologies of the Contemporary World. Annual Review of Anthropology 46: 203–221. https://doi.org/10.1146/annurev-anthro-102116- 041401, 2017.

HARRISON, R.; SCHOFIELD, J. After Modernity: Archaeological Approaches to the Contemporary Past. Oxford: Oxford University Press, 2010.

HATTORI, M. L; SOUZA, R. A.; TAUHYL, A. P. M.; ALBERTO, L. A. O Caminho Burocrático da Morte e a Máquina de Fazer Desaparecer: Propostas de Análise da Documentação do Instituto Médico Legal-Sp para Antropologia Forense. Revista do Arquivo 2. Online: http://www.arquivoestado.sp.gov.br/revista_do_arquivo/02/pdf/HATTORI__Marcia_Lik

a_et_al_-_O_caminho_burocratico_da_morte_e_a_maquina_de_fazer_desaparecer.pdf, 2016.

HERZFELD, M. The Social Production of Indifference. Chicago: University of Chicago Press, 1993.

IRAZUZTA, I. Buscar como investigar: prácticas de búsqueda en el mundo de la desaparición en México. Sociología y Tecnociencia: Revista Digital de Sociología Del Sistema Tecnocientífico, 10 (1): 94–116, 2020.

JANAWAY, R. Degradation of Clothing and Other Dress Materials Associated with Buried Bodies of Archaeological and Forensic Interest. In Advances in Forensic Taphonomy: Method, Theory, and Archaeological Perspectives, edited by W. D. Haglund and M. H. Sorg, 380–402. Boca Raton, FL: CRC Press, 2002.

KANT DE LIMA, R. A Polícia Da Cidade Do Rio de Janeiro: Seus Dilemas e Paradoxos. Ensaios de Antropologia e Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

KANT DE LIMA, R. Policía, Justicia y Sociedad En El Brasil: Un Abordaje Comparativo de Los Modelos de Administración de Conflictos En El Espacio Público. In Derechos Humanos, Tribunales y Policías En Argentina y Brasil: Estudios de Antropología Jurídica, edited by S. Tiscornia and M. V. Pita, 89–115. Buenos Aires: Universidad de Buenos Aires, Facultad de Filosofía y Letras, 2005.

MATTOS, V. Esquadrões Da Morte No Brasil (1973 a 1979): Repressão Política, Uso Abusivo Da Legalidade e Juridicidade Manipulatória Na Autocracia Burguesa Bonapartista. Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil, 2016.

MAZZ, J. M. L. Archaeology of Historical Conflicts, Colonial Oppression, and Political Violence in Uruguay. In Ethics and the Archaeology of Violence, edited by A. GonzálezRuibal and G. Moshenska, 71–87. New York: Springer, 2015. MBEMBE, A. Necropolitics. Raisons Politiques 21 (1): 29–60, 2006.

MBEMBE, A. Necropolitics. In Foucault in an Age of Terror: Essays on Biopolitics and the Defence of Society. S. Morton and S. Bygrave (orgs.), 152–182. Basingstoke, UK: Palgrave Macmillan. https://doi.org/10.1057/9780230584334, 2008.

MBEMBE, A. Necropolitics [Politiques de l'inimitié]. Trans. S. Corcoran. Durham, NC: Duke University Press, 2016.

MEDEIROS, F. Vidas Ordinárias, Corpos Matáveis: Moralidades e Emoções na Construção Institucional de Mortos no Instituto Médico Legal do Rio de Janeiro. In Pensando o Rio. Administração Policial e Judicial de Conflitos, R. Kant de Lima e L. Eilbaum (orgs.), 15–45. Rio de Janeiro: Intertexto, 2015.

OLIPHANT, T. E. A Guide to NumPy. Available online: https://web.mit.edu/dvp/Public/numpybook.pdf, 2006.

PEIRANO, M. A Teoria Vivida e Outros Ensaios de Antropologia. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.

PINA-CABRAL, J. Aprender a Representar: A Democracia Como Prática Local. Novos Estudos Cebrap, 71: 14–162, 2005.

PLETS, G. Heritage Bureaucracies and the Modern Nation State. Towards an Ethnography of Archaeological Systems of Government. Archaeological Dialogues 23 (2): 193–213. https://doi.org/10.1017/S1380203816000222, 2016.

REZENDE, P. A. Corpos Sem Nome, Nomes Sem Corpos: Desconhecidos, Desaparecidos e a Constituição Da Pessoa. Doutorado, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil, 2012.

TELES, E.; SAFATLE, V. P. O que resta da ditadura: a exceção brasileira. São Paulo: Boitempo Editorial, 2010.

VAN ROSSUM, G.; DRAKE JR, F. L. Python Tutorial. Amsterdam: Centrum voor Wiskunde en Informatica, 1995.

SALERNO, M. Identidades Extremas: Moda, Vestido e Identidad En Los Confines de La Sociedad Moderna (Antártida, Siglo XIX). Arqueología 13: 185–211, 2007.

SALERNO, M. 2009. Hora de Vestirnos. Antecedentes y Perspectivas En El Estudio Del Cuerpo Vestido En Arqueología Histórica. Temas y Problemas de La Arqueología Histórica, Luján, Universidad de Luján 2: 397–408. Luján, Argentina: Universidad Nacional de Luján.

SARRABAYROUSE OLIVEIRA, M. J. Poder Judicial y Dictadura: El Caso de La Morgue Judicial. Antropología Jurídica y Derechos Humanos 18. Buenos Aires: Ciudad Autónoma de Buenos Aires, 2012.

SEGATO, R. L. La Escritura En El Cuerpo de Las Mujeres Asesinadas En Ciudad Juárez: Territorio, Soberanía y Crímenes de Segundo Estado. Buenos Aires: Tinta limón, 2013.

STEYERL, H.; BERARDI, F. Los Condenados de La Pantalla. Buenos Aires: Caja Negra, 2014.

THEUNE, C. Clothes as Expression of Action in Former Concentration Camps. International Journal of Historical Archaeology 22: 492–510. https://doi.org/10.1007/s10761-017-0440-3 LB, 2017.

VENDRAMINI, E. O Desaparecimento Forçado Ou Redesaparecimento. Relatório Final Da Comissão Da Memória e Verdade Da Prefeitura de São Paulo. Discurso. São Paulo: Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo, 2016.

ZARANKIN, A.; NIRO, C. The Materialization of Sadism; Archaeology of Architecture in Clandestine Detention Centers (Argentinean Military Dictatorship, 1976–1983). In Memories from Darkness: Archaeology of Repression and Resistance in Latin America, edited by P. Funari, A. Zarankin and M. Salerno, 57–77. New York: Springer. https://doi.org/10.1007/978-1-4419-0679-3_6, 2009.

WEIZMAN, E. Forensis: The Architecture of Public Truth. Berlin: Sternberg Press, 2014.

WEIZMAN, E; TAVARES, P.; SCHUPPLI, S.; STUDIO, S. Forensic Architecture. Architectural Design 80 (5): 58–63, 2010.

WELD, K. Paper Cadavers: The Archives of Dictatorship in Guatemala. Durham, NC: Duke University Press, 2014.

Downloads

Publicado

2023-12-19

Como Citar

Lika Hattori, M. (2023). Despir cadáveres – uma perspectiva arqueológica sobre a violência estatal. Revista Histórias Públicas, 1(2), 48–73. Recuperado de https://revista.uemg.br/index.php/historiaspublicas/article/view/8292

Edição

Seção

Dossiê Ditadura e Autoritarismo: necropolítica, negacionismo, arquivos e usos do passado - Parte II