Ecologia Política, Agroecologia e Comunidades Tradicionais
DOI:
https://doi.org/10.36704/sapiens.v4i2.7322Palabras clave:
AgroecologiaResumen
Ecologia Política, Agroecologia e Comunidades Tradicionais (DOSSIÊ)
Ecologia Política, Agroecologia e Comunidades Tradicionais (DOSSIÊ)
Um novo alvorecer desponta após tempos nebulosos marcados pelo desgoverno, num período marcado por ações antidemocráticas, anti-educadoras, anticientíficas e anticulturais (2019-2022), que culminou no descaso, descompromisso e violência com os Povos e as Comunidades Tradicionais, flexibilização na legislação e fiscalização ambiental, desmonte de políticas públicas; incoerência, negacionismos, incompetência e irresponsabilidade nas mais diversas esferas e áreas, a exemplo da desastrosa atuação durante a pandemia no Brasil (vírus SARS-CoV- 2/COVID-19), abandono do povo Yanomami, avanço da liberação de novos agrotóxicos, apoio ao garimpo e desmatamento ilegal das florestas brasileiras e insegurança alimentar em todas regiões (volta do Brasil ao mapa da fome).
Como consequência dessas medidas, assistimos a um massacre dos povos originários ocasionada pela depredação dos bens naturais (solo, água, matas, fauna) e socioagrobioiversidade que traz consequências no tocante à soberania e segurança alimentar, bem como à saúde socioambiental. Crianças, homens, mulheres, jovens e idosos têm sido vítimas da mineração em terras já demarcadas, sendo acometidas por enfermidades, contaminação por mercúrio, fome, desnutrição, miséria e morte. Como se não bastasse, a agricultura familiar camponesa e as políticas públicas, ministérios, institutos e secretarias vinculadas a essa categoria foram sucateadas, fragilizados e/ou paralisadas, a exemplo do Programa Nacional de Educação para a Reforma Agrária (PRONERA), Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER), Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO), Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), espaços consultivos, etc.
A depredação das florestas e perda da sociobiodiversidade tem como principal agente promotor a política destrutiva empreendida nos últimos anos, pautada no avanço do agronegócio, mineração, pesca predatória, garimpo, dentre outros. Esse viés produtivista e economicista, desconsidera os valores biológicos (serviços ecossistêmicos), monetários (uso sustentável) e simbólicos (materiais e imateriais) das florestas “em pé”. Nesta racionalidade, de uma modernidade-colonial, a Natureza é vista meramente como recurso econômico a ser explorado pelo capital.
A perda das áreas florestadas e biodiversidade ocasionam desequilíbrios ecológicos, climáticos, sociais, energéticos e produtivos. O desmatamento, além de levar à extinção de espécies, contribui com as alterações climáticas (veranicos e secas mais prolongadas, chuvas de granizo, aumento da temperatura, etc.) percebidas cada vez mais em todo planeta Terra. Os gases de efeito estufa contribuem com o aquecimento da Terra, desencadeando desequilíbrios e impactos socioambientais com consequências avassaladoras, tais como: calor e frio intensos, desertificação, chuvas com índices pluviométricos elevadíssimos e incomuns, desabamento de encostas e inundações, afetando principalmente as populações de baixa renda que habitam as áreas de risco, em situações precárias, fato desencadeado pela intensa desigualdade social que, por sua vez, culmina em injustiças ambientais.
A Ecologia Política apresenta um compromisso voltado para a denúncia das injustiças ambientais, bem como, o campo de estudo dos conflitos socioambientais oriundos do uso, apropriação e acesso aos bens naturais. O modelo econômico vigente é altamente excludente, predatório e desencadeia tais conflitos. Nesse sentido, torna-se importante destacar o relevante papel de proteção e conservação dos bens naturais que as comunidades tradicionais, representadas pelos Povos originários, Quilombolas, Quebradeiras de coco, Marisqueiras, Seringueiros, Caiçaras, Ribeirinhos, dentre tantas outras experiências situacionais tipificadas , exercem e são explicitadas em sua relação direta e respeitosa com a natureza, seja por meio de suas práticas seculares de manejo, espiritualidades e simbologias, bem como pela reprodução sócio cultural e biológica existente. Outrossim, nesta perspectiva, as racionalidades cosmogônicas operam no e pelo espaço, no campo das horizontalidades contra-hegemônicas, cuja relação Sociedade(s)-Natureza se afirma nos territórios e territorialidades insurgentes e confluentes.
A Agroecologia enquanto ciência, prática e movimento dialoga com a Ecologia Política, pois ambas valorizam os saberes populares, as comunidades tradicionais e suas organizações (movimentos sociais, redes, articulações, etc.), valores e práticas. Como ciência, a Agroecologia possui princípios, práticas e métodos para avaliação, construção e transição para sistemas, territórios e sociedades sustentáveis.
Enquanto movimento social, a Agroecologia se concretiza com a valorização e articulação política dos povos dos campos, das águas, das florestas e cidades, engajados na construção de territórios sustentáveis, soberanos, livres de agrotóxicos e transgênicos, do racismo ambiental, do patriarcado e outros tipos de preconceitos. A agenda da reforma agrária popular e, portanto, da justiça socioambiental, é construída diariamente, a partir da base, das redes políticas de resistência e das políticas de escalas.
Esse dossiê intitulado “Ecologia Política, Agroecologia e Comunidades Tradicionais” apresentará ao leitor contribuições científicas, práticas, políticas, técnicas e experiências educadoras inerentes ao campo teórico da Agroecologia, Geografia Agrária, Geografia Socioambiental, Geografia Política e Educação do Campo. Os textos apresentados, certamente, trarão aproximações teóricas, inquietações, conhecimentos, reflexões e aplicações que possam contribuir com empoderamento, governança territorial e processos de transição agroecológica para territórios, sistemas e sociedades sustentáveis, justas e igualitárias.
O texto “Conservação Ambiental e Soberania Territorial na Baía de Todos os Santos”, da autoria de Paula Regina de Oliveira Cordeiro, reflete a existência de inúmeras comunidades tradicionais que compõem a diversidade da Baía de Todos os Santos (BTS), com destaque para as comunidades pesqueiras e quilombolas. O texto aborda como tais comunidades atuam como guardiãs da sociobiodiversidade, a partir das práticas espaciais ancestrais, ao construírem seus territórios e territorialidades. A cosmopercepção africana da natureza é enfatizada ao discutir a gestão do território por essas comunidades. Além disso, são discutidas as relações conflituosas atravessadas nesses territórios com os empreendimentos industriais ou do turismo, bem como os processos de resistência.
O ensaio “Cosmologia e Kilombus: território ancestral e a Retomada originária”, da autoria de Makota Kidoiale e Jair da Costa Junior, produz uma crítica aos modos de vida das sociedades ocidentais ou ocidentalizadas contemporâneas, às quais exploram, incessantemente, os recursos da natureza e produzem uma relação hierárquica com esta. Em contrapartida, são apresentadas as epistemologias e cosmologias do povo negro, sobretudo dos Povos de Santo, transmitidos por meio das tradições orais, herança ontológica e cosmológica das sociedades africanas. A perspectiva da filosofia Ubuntu é discutida na raiz dos povos africanos e afro-brasileiros. No que tange à Retomada como processo contra-colonial, é enfatizado seu sentido cosmológico, uma cosmopercepção radical, ou seja, a construção de uma outra relação sociedade(s) e natureza que deverá alterar a organização das relações sociais, ambientais, institucionais, políticas etc.
“O debate sobre a Agroecologia no MST: as práticas de produção no campo e a relação socioambiental”, da autoria de Custódio Jovêncio Barbosa Filho e Elizete Oliveira de Andrade apresenta os resultados da pesquisa “Educação do Campo e Agroecologia: interfaces entre o saber científico e o saber popular”. O texto aborda a metodologia do círculo de cultura de Paulo Freire para compreender e analisar a atuação dos trabalhadores e trabalhadoras do Assentamento Olga Benário, situado em Visconde do Rio Branco, em seus processos organizativos para a produção voltada aos princípios da Agroecologia.
A leitura do texto “Conflitos socioambientais no território do Extremo Sul da Bahia e a Escola Popular de Agroecologia e Agrofloresta Egídio Brunetto: a luta popular e as estratégias pedagógicas libertadoras na construção da Agroecologia”, da autoria de Felipe Otávio Campelo e Silva, Fábio Frattini Marchetti, Meriely Oliveira de Jesus, Dionara Soares Ribeiro e Valdete Oliveira Santos enfatiza a importante atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na construção da Reforma Agrária Popular, a partir da análise histórica dos conflitos socioambientais das últimas décadas no território do Extremo Sul da Bahia. Enfatiza, portanto, o potencial de ferramentas pedagógicas e espaços educadores, cujos resultados apontam para novas possibilidades na construção popular da Agroecologia, bem como, na elaboração de parâmetros para a formulação de políticas públicas.
O artigo “Trajetórias em Projetos de Extensão Universitária: tecendo saberes geográficos e agroecológicos”, da autoria de Keila Cássia Santos Araújo Lopes, Izabela Obolari Protasio, Samara de Matos Silva, Mariana Soares Domingues, Gabriel Romagnose Fortunato de Freitas Monteiro e Paulo Rogério Lopes traz o percurso de construção do projeto de extensão “Tecendo saberes e cultivando alimentos: a Geografia na construção de processos educadores e territórios sustentáveis”, bem como, das ações, parcerias e criação do Núcleo de Estudos em Agroecologia (NEA) Jequitibá Rosa na Universidade do Estado de Minas Gerais - unidade Carangola.
Por fim, temos um texto relacionado às experiências práticas no campo da Agroecologia. O artigo “Uso da farinha de caranguejo-uçá no cultivo agroecológico de alface americana: uma experiência conjunta de uma Reserva Extrativista (Resex) com uma Escola Popular de Agroecologia”, da autoria de Iara Maria Lopes Rangel, Victoria Santos Souza e Rafael Passos Rangel apresenta uma alternativa de uso sustentável ao resíduo do caranguejo-uçá utilizada pela comunidade de povos extrativistas no Extremo Sul da Bahia, como fonte nutritiva à olerícola.
Os textos do dossiê “Ecologia Política, Agroecologia e Comunidades Tradicionais” trazem diferentes abordagens temáticas no campo dos conflitos socioambientais, movimentos sociais do campo, da educação em Agroecologia, de práticas de manejo sustentáveis em comunidades, bem como, de suas cosmovisões.
Frente à amplitude de assuntos pertinentes, contemporâneos e contextualizadores, esperamos que todas, todes e todos desfrutem de boa leitura!
Organizadores
Keila Cássia Santos Araújo Lopes - Geografia - UEMG/Carangola
Gabriel Romagnose Fortunato de Freitas Monteiro - Geografia - UEMG/Carangola
Paulo Rogério Lopes - Agroecologia - UFPR Litoral/Matinhos
Citas
GLIESSMAN, S. R. Agroecologia: processos ecológicos em agricultura sustentável. 3.ed. Porto Alegre: UFRGS, 2005.